quarta-feira, 10 de agosto de 2011

GLOSS Entrevista: Pitty

Depois e ouvir o que ela pensa sobre aborto, casamento, legalização das drogas e tantos outros assuntos polêmicos, você
também vai ter vontade de elegê-la a algum cargo (nem que seja só o de cantora talentosa e gente boa).

Por: Ricky Hiraoka
Foto: Marcos Vilas Boas

Com Pitty, não tem enrolação. Você  pergunta, ela responde. A cantora fala com naturalidade sobre tudo - aborto, legalização da maconha, casamento gay, envelhecimento... Quem a ouve cheia de opiniões e ideias logo a imagina com um microfone na mão como se estivesse em campanha política. Terminada a entrevista, o repórter ficou com vontade de dizer: "Vote Pitty!"
Aos 33 anos, nossa candidata à eleição de gente-fina-elegante-e-sincera (já ganhou! Já ganhou!) fala tanto quanto trabalha. Desde maio, quando lançou o CD e DVD A Trupe Delirante no Circo Voador, quinto trabalho de sua carreira, ela vem fazendo shows para divulgá-lo ao mesmo tempo em que se dedica ao projeto Agridoce, de apresentações "mais introspectivas e minimalistas" em parceria com o guitarrista Martin Mendezz. Pitty abriu uma brecha em sua agenda lotada para dar uma entrevista à GLOSS, da qual os melhores momentos você lê a seguir. E eles foram muitos! Olha só:
Pitty Revista Gloss
Imagem: Esta cara de brava ela só "veste" na hora de posar para a foto - e de brigar por aquilo em que acredita.

A música 8 ou 80, de seu novo CD, diz que todos temos segredos que não contamos nem a nós mesmos. Quais são os seus?
Demorei para admitir certas facetas minhas. Por exemplo: tenho um lado sombrio. Acho que todo mundo tem... A gente quer ser bacana sempre, mas não dá. Hoje sei que é normal ficar brava de vez em quando dependendo da situação. Já disse que dentro de mim moram um anjo, um demônio e uma pombagira, mas são apenas três dos meus infinitos lados.

Você é muito temperamental?
Já fui de perder a cabeça à toa, mas hoje em dia acontece muito menos. Falta de respeito, de educação
e egoísmo me deixam muito triste e revoltada. Por eu trabalhar com música e ser "famosa" (e digo famosa entre aspas), as pessoas esquecem que sou um ser humano, acham que podem me pegar a força, passar a mão. Agem assim e ainda justificam dizendo que me amam! Isso é uma agressão. Se eu faço a mesma coisa com alguém na rua a pessoa vai à polícia e faz um BO. Outra postura que me irrita é não respeitar a opção alheia.

O que você quer dizer com "opção alheia"? Eu me refiro à união homoafetiva. Logo que ela foi aprovada eu comemorei no Twitter e um monte de gente me escreveu dizendo que não gostava mais de mim por eu apoiar o casamento gay! A gente vive no nosso mundinho, rodeado de amigos com a cabeça parecida com a nossa, e de repente descobre que ainda existe muito preconceito. Fiquei triste, chocada, mas não sei se posso fazer alguma coisa além de viver e me posicionar.

Você acha que está rolando uma "neocaretice"?
Acho que as reações preconceituosas são proporcionais às conquistas. Até pouco tempo atrás era tabu falar sobre o casamento gay. Quando o assunto surgia, era sempre motivo de piada. Conquistamos mais liberdade, mas isso provocou reações na mesma intensidade. Agora é a hora da resistência, de mostrar que não vamos ceder.

Pitty Revista Gloss
Imagem: Em 2003, Pitty só queria viver de música. E não é que ela conseguiu?!?

Já que estamos falando de assuntos polêmicos, diz aí: o que você achou da repressão à Marcha da Maconha, em maio?
Quem foi à Marcha estava disposto a discutir o problema, debater. Mas nem isso está sendo permitido. Para mim não faz sentido a maconha ser proibida e o álcool e o tabaco, não. Minha posição é muito parecida com a do FHC [Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente, que defende a descriminalização da maconha] : temos de admitir que o combate às drogas não funcionou. E, sendo assim, é hora de partir para outra estratégia.

Você, que já sofreu um aborto natural, pensa o que sobre o assunto?
Ninguém faz um aborto porque está a fim. Pensar isso é subestimar a inteligência dos outros. A minha posição é que o indivíduo precisa ter autonomia sobre si mesmo. O Estado não pode se meter em decisões de foro íntimo. O papel dele é informar e educar para que as pessoas sejam capazes
de tomar suas próprias decisões.

Alguns artistas reclamam que se sentem cobrados a se manifestar sobre os mais variados assuntos. Você, pelo visto, gosta de se posicionar.
Faço isso porque sou uma cabeça pensante, não por ser artista. As pessoas têm que abandonar essa mania de deixar para os outros a responsabilidade pelo que acontece com elas! Quando você vira protagonista da sua história, assume a responsabilidade por tudo. Mas ninguém quer isso porque responsabilidade pesa.

Pitty Revista Gloss
Imagem: Pretinho básico para extravasar no palco.
Você está com 33 anos, e o rock é muito ligado à ideia de juventude. Tem medo de envelhecer? Não tenho medo de envelhecer, eu tenho ódio! Se pudesse teria 33 anos para sempre. Acho uma pena a vida ser tão rápida. Você vê a galera mais velha falando todos aqueles clichês sobre as maravilhas da "chegada à plenitude" e pensa: "Eles só falam isso porque não têm nenhuma outra opção". Temos que achar legal envelhecer e tirar alguma lição disso porque senão seremos frustrados, chatos e não vamos aproveitar o resto do passeio.

Sua vida é como você imaginava que seria dez anos atrás?
Minha única projeção era viver de música. Mas o resto não planejei. Por exemplo: nunca tinha pensado que iria  me casar, não tinha esse sonho. O Dani [baterista do NX Zero] falou: "Vamos casar?" E eu disse: "Porque não? Vai ser legal fazer uma festa!" Não pensei em como ia ser... Quero passar por tudo nessa vida, então passei a me abrir mais para o acaso, me jogar.

Como você lida com o assédio das fãs do Dani? Elas devem cair matando...
Sou tranquilíssima. Quero mais é que o Dani seja dono do próprio nariz, tenha experiências interessantes,
conheça pessoas incríveis. Jamais vou ligar para saber onde ele está e com quem. Deus me livre! Quero uma relação de cumplicidade. Somos brothers, e quero que ele me conte se for vontade
dele, e não porque me deve satisfação.
Pitty Revista Gloss
Imagem: Daniel e Pitty são marido e mulher. Mas ela prefere dizer que eles são "brothers". Crédito: Gustavo Scatena (divulgação).
Você convive muito com homens. Que lições tira disso? Na minha cabeça não faço distinção de gênero. Para mim é tudo gente, mas me sinto mais à vontade com os homens. As mulheres têm um jeito todo delas de comentar as coisas, de gesticular... É tudo tão caricato! Homem é mais prático, e eu sou prática. Não demoro para me arrumar. Só na TPM é que troco 200 vezes de roupa [risos].

Como é o seu lado masculino?
Ah, ele tem um pau enorme e sempre duro [risos]. Passo longe dos estereótipos de que a mulher tem
que ser meiga, delicada, submissa. Não tenho medo das coisas, do que vão falar. Mas tenho um lado mulherzinha de fazer as unhas e pintá-las de rosa. Sei ser delicada, carinhosa. Eu sou tudo. Cansei dessa obrigação de ser uma coisa só.

Você precisa estar triste para compor suas letras?
A dor faz tudo vir à tona e por isso é inspiradora. Não sou do tipo que busca sofrimento, mas sou chorona. Chorar é sinal de que estamos vivos e temos emoções. É tão natural quanto rir. Pena que a felicidade virou quase obrigação e ser triste hoje é falha de caráter. Outro dia o Dani me disse: "Não fica assim triste. Vou fazer uma coisa para te alegrar". Eu respondi: "Mas eu quero ficar triste! Me deixa!" Sou intensa e não conheço o significado da paz. Para mim ela é um barco no meio do oceano sem vento que não vai para canto nenhum. Eu preciso que as coisas aconteçam. Ter paz deve ser muito chato.
Fonte:
http://gloss.abril.com.br/gente/

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