domingo, 17 de julho de 2011

Toda mãe tem alguma mania irritante: qual é a sua? E a da sua mãe?

Toda mãe tem manias irritantes. A minha adorava me segurar pelo cotovelo quando andávamos pela Praça Saens Pena, num tempo não muito distante em que aquele lugar, no coração da Tijuca (Zona Norte carioca), ainda tinha cinemas de rua. Eu tentava me desvencilhar, mas ela, firme, continuava ali, guiando-me desnecessariamente.
Desconfio que minha mania irritante seja segurar Letícia pelo queixo quando vou escovar os dentinhos dela. É a única maneira de impedir que aquele rostinho sapeca fuja completamente da minha mira.
Em pé, no alto da escadinha de madeira feita para guardar pisos onde ninguém vê e para elevá-la de forma segura à altura da pia, ela busca o espelho e leva junto os dentes que preciso limpar.
“Viiiiii-ra!”, eu digo, simulando irritação.
Ela ri, trazendo de volta o sorriso cheio de espuma branca caindo pelos cantos da boca, por míseros segundos, até começar a virar de novo.
“Faz assim”, digo, forçando um sorriso trincado.
Às vezes ela tenta se concentrar, mas aí o olhar começa a fugir primeiro e, como um ímã, puxa todo o corpinho de frente para o espelho. Eu pego o queixo. Ela tira minha mão como quem diz “eu já não disse que detesto isso”? E nós duas rimos. Um dia, usei um abraço para imobilizá-la.
“Agora você não me escapa!”
Indefesa, ela lançou o olhar lá para trás como quem ia virar e começou a rir da própria tentativa inútil de fugir.
Volto a escovar os dentes da frente num silêncio cheio de cumplicidade com algo de engraçado no nosso olhar. Reparo no incisivo superior levemente acima dos demais. Não sabemos direito como entortou. Desconfio de um tombo em casa. O primeiro com sangue de verdade. Um horror aquele sangue vazando da boca sem detectar a origem. Depois veio outro tombo, em cima do mesmo dente. Fomos parar no raio-X. O dentinho escureceu. E ela nem tinha 4 anos. “Pode até ficar preto”, a dentista avisou.
Ah não…vai demorar até cair ainda.
Daí que toda noite eu propunha “um polimento final” para o dentinho voltar a ficar branco.
“Na verdade, filha, eu acho que não adianta, mas a gente pode acreditar, não é?”
“É!”
Acreditamos. E deu certo. O dentinho clareou – reabsorveu o edema interno – de espantar até a doutora. Sei lá, aconteceu.
Olho bem para aquele dentinho de leite – ela está doida para ter os permanentes – e faço uma declaração de amor.
“Eu amo seus dentinhos de leite. Quando eles forem trocados, sentirei saudades”.
Ela sorriu um sorriso enigmaticamente infantil. Por trás do sorriso, a informação velada: ”Vou crescer. Não tem jeito mamãe”. E, de frente para mim, finalmente, me permitiu escovar. Para cumprir minha parte no acordo tácito, controlei minha vontade de segurá-la novamente pelo queixo.
Você que é mãe tem alguma mania irritante? E a sua mãe?
Isabel Clemente é editora-assistente de ÉPOCA em Brasília.
Fonte:
http://colunas.epoca.globo.com/mulher7por7/

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